quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Resenha crítica: Hollywood, de Charles Bukowski


          Charles Bukowski foi um escritor que realmente sabia como ser direto. O velho safado não escondia em seus livros o fato de ser um velho bêbado safado que tinha grande senso de humor e apreço pelos fracassados e esquecidos, além de que sua obra é de teor bastante auto-biográfico. Em Hollywood, o bêbado alemão mais americano da história da literatura nos trás relatos hilários da sua experiência ao escrever pela primeira e única vez um argumento para um filme de cinema. E que história regada de fatos absurdos - e engraçados... Neste romance, temos essencialmente Bukowski escrevendo sobre Bukowski (devidamente personificado no alter ego, Hank Chinaski) escrever um filme sobre Bukowski.


          Com algumas referências sobre cinema e literatura quase que escondidas no decorrer do livro, Hollywood é repleto de situações hilárias - leiam para sabem... mas algumas envolvem velhas russas com fetiche, bairros negros absurdos, galinhas, e porres -, mas também tem fortes passagens que geram reflexões - além de alfinetadas afiadas no nicho artístico.

          Charles Bukowski investe muito em caracterizar seus personagens em mínimos detalhes. O protagonista que vive dando choques de realidade impiedosos em todos ao seu redor - inclusive no leitor; a esposa companheira que provavelmente salvou o marido inconsequente da auto-destruição; o amigo de longa data que marca presença somente em momentos decisivos; os artistas excêntricos.

          A cidade de Hollywood é caracterizada brilhantemente nas entrelinhas do livro, tendo seus lados mais obscuros e esquecidos mostrados com clareza e naturalidade despreocupada. O autor demonstra discretamente a sua sensibilidade ao olhar para todos os talentos perdidos e para todas as pessoas que vivem em crescente decadências, esquecidas por todos.

         Com linguagem simples - sem rebuscamento, tudo muito coloquial - e diálogos brilhantemente construídos - e definitivamente marcantes -, o romance de Bukowski prova que ele não vendeu-se (apesar dele mesmo ter medo disso, e o livro parecer um reflexão sobre) para o estrelato de Hollywood, e que sua obra sempre será o retrato genuíno do seu pensamento reflexivo. É uma leitura prazerosa e que flui rapidamente, fazendo desde os leitores mais exigentes, até os bêbados mais fiéis do bom e velho tio Bukowski se divertirem.

 Aqui vão algumas passagens que eu destaquei no livro: 
   
"[...] não se pode viver sempre escrevendo, e havia muito espaço a preencher. Eu o preenchia com uísque, cerveja e mulheres. Eu acabei me enchendo das mulheres e me concentrei no uísque e na cerveja." - Sobre o alcoolismo de Chinaski, e sua facilidade de se sentir repulsivo.  

"Eu geralmente passava às damas o dinheiro do táxi, mandava-as dar o fora e continuava bebendo sozinho. Duvido que usassem o dinheiro do táxi em táxis." - Sobre as putas da Califórnia. 

Todo o discurso de Jean-Paul sobre todos serem imundos... "TODOS NÓS TEMOS CU, CERTO?"... Página 30.

"Faltava totalmente alguma coisa nos pobres sujeitos, e alguma coisa em mim doeu, apenas por um instante, e senti vontade de abraçá-los, consolá-los e beijá-los com um Dostoiévski, mas sabia que isso no fim não levaria a nada, a não ser ao ridículo e à humilhação, para mim mesmo e para eles." - Sobre seus leitores pobres, bêbados e fracassados. 

Páginas 54 e 55 fazem a junção da poesia com a prosa.

"Uma de minhas mulheres passadas berrara para mim:
- Você bebe para sair da realidade!
- É claro, minha cara - lhe respondera.
Usava a garrafa e a máquina. Gostava de ter um pássaro em cada mão, ao diabo com o mato."

"Talvez tivesse conhecido escritores demais. Eles levavam mais tempo falando mal uns dos outros do que fazendo seu trabalho. Eram nervosos, fofoqueiros, velhas solteironas; viviam se lamentando, dando facadas, inchados de vaidade. Eram esses os nossos criadores? Sempre fora assim? Provavelmente sim. Talvez escrever fosse uma forma de lamento. Alguns simplesmente se lamentavam melhor do que os outros." - Sobre escritores e a arte de escrever.
"[...] não tinha medo das feministas. Era um dos últimos defensores da masculinidade e dos colhões no país. Para isso era preciso ter raça" - Sobre atitudes e liberdade de expressão.

           "[...] mas, como a maioria das almas grandes, gostava de um traguinho de vez em quando." - Sobre o alcoolismo em relação aos artistas e intelectuais.

Brilhante diálogo da página 170 - uma entrevista de Chinaski, onde este é impagável.

"A melhor parte de um escritor está no papel. A outra é geralmente bobagem."

"O pai do dono da casa era hippie. Os dois liam o L.A Free Press. Eu escrevia uma coluna, 'Notas de um Homem de Neanderthal'."  - Referência ao livro do Bukowski e coluna que deu origem ao mesmo, "Notas de um velho safado".

 Paro por aqui, pelo fato das minha próximas marcações entregarem muitos detalhes do desenvolvimento. Mas acho que já é suficiente para teres vontade de ler e grifar todo o livro, não é?  ;) 
  

  A edição brasileira foi feita pela editora LPM (que ficou responsável por quase todos os trabalhos do Velho Safado por aqui). A tradução é razoavelmente boa (aceitável). O livro foi publicado em formato de bolso, tem capa fosca e papel off set branco.