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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Resenha crítica do filme Quase Famosos (2000)




          O cenário musical da década de 1970 tinha os grandes nomes da indústria do rock n' roll como pilares para a formação sociocultural de boa parte da juventude da época. Bandas como Black Sabbath, Led Zeppelin, Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (de David Bowie), Lynyrd Skynyrd e músicos como Bob Dylan e Elton John eram os principais expoentes de um movimento que dava continuidade ao movimento hippie dos anos 1960 (que surgira como consequência da ideologia da famosa Geração Beat do Estados Unidos) - que arrastava multidões por onde passava. Com isso, as pessoas envolvidas nesse cenário, com extravagâncias e veia artística, pareciam mais como grandes personagens fictícios. Quase Famosos (Almost Famous), filme semi-autobiográfico dirigido por Cameron Crowe, lançado no ano 2000, emula bem a essência de uma época bastante representativa da história.
          Com o crescente sucesso do rock, as revistas de jornalismo especializado gradativamente ganharam mais notoriedade. A maior delas é, desde a década representada no longa de Crowe, é a Rolling Stone - que tem grande importância no enredo.

Cartaz oficial do filme. Todos os direitos reservados à Universal Pictures.

           Inspirado em uma história da adolescência do próprio Cameron Crowe, Quase Famosos acompanha o período da vida de William Miller, um menino que, ao ganhar a coleção de discos da irmã, torna-se um grande fã de música - mais especificamente dos gêneros folk e rock. Depois de quatro anos escutando muito material, estudando e escrevendo resenhas por prazer, William, com apenas 15 anos de idade, agarra a oportunidade de trabalhar para a revista Rolling Stone. Seu primeiro trabalho: acompanhar a turnê Almost Famous '73 da banda Stillwater. Situações absurdas acontecem ao longo da viagem, que passa por diversas cidades.
            Um dos maiores acertos em Quase Famosos é, sem dúvidas, na questão estética: os designers de arte e produção caracterizaram fielmente todos os aspectos o cenário da década de 1970. As roupas, os penteados, os objetos, as fotos, os cenários... tudo é fielmente reproduzido.
             O elemento que também ajuda bastante na ambientação da película é a trilha sonora. Uma seleção de grandes sucessos da década retratada, cuidadosamente escolhida, faz com que a experiência cinematográfica seja ainda mais imersiva.
             A direção de fotografia, no entanto, não é muito inventiva. De modo geral, é uma direção "quadrada" - o que significa que não há significativos experimentalismos de linguagem. Isso não chega a ser um defeito, apesar de tudo.
             A trama é muito bem construída: todos os arcos que envolvem os personagens principais e secundários se fecham adequadamente, do início ao fim.
             O ponto alto do filme são os personagens. A banda fictícia Stillwater funciona como uma espécie de alegoria alusiva aos músicos de rock dos anos 1970 - brincando com mitos que cerca os grandes astros da época. Todos os personagens têm uma clara evolução ao longo da trama. Destaque para a complexa Penny Lane (muito bem interpretada por Kate Hudson, indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante e vencedora do Globo de Ouro desta categoria); o protagonista William também é muito bem trabalhado, com sentimentos e motivações bem definidas. Os participantes da história são acompanhados tão de perto que, mesmo com os diversos artifícios narrativos utilizados, criam uma espécie de vínculo com o espectador.
            Quase Famosos merecidamente tornou-se um cult entre os apreciadores da música setentista e os estudantes de jornalismo. É um longa-metragem que marca o espectador por seu clima envolvente. O clima de mistura entre realidade e ficção faz com que se tenha vontade de ouvir as canções da Stillwater e compartilhar um pouquinho desse universo tão bem caracterizado.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Resenha crítica: Hollywood, de Charles Bukowski


          Charles Bukowski foi um escritor que realmente sabia como ser direto. O velho safado não escondia em seus livros o fato de ser um velho bêbado safado que tinha grande senso de humor e apreço pelos fracassados e esquecidos, além de que sua obra é de teor bastante auto-biográfico. Em Hollywood, o bêbado alemão mais americano da história da literatura nos trás relatos hilários da sua experiência ao escrever pela primeira e única vez um argumento para um filme de cinema. E que história regada de fatos absurdos - e engraçados... Neste romance, temos essencialmente Bukowski escrevendo sobre Bukowski (devidamente personificado no alter ego, Hank Chinaski) escrever um filme sobre Bukowski.


          Com algumas referências sobre cinema e literatura quase que escondidas no decorrer do livro, Hollywood é repleto de situações hilárias - leiam para sabem... mas algumas envolvem velhas russas com fetiche, bairros negros absurdos, galinhas, e porres -, mas também tem fortes passagens que geram reflexões - além de alfinetadas afiadas no nicho artístico.

          Charles Bukowski investe muito em caracterizar seus personagens em mínimos detalhes. O protagonista que vive dando choques de realidade impiedosos em todos ao seu redor - inclusive no leitor; a esposa companheira que provavelmente salvou o marido inconsequente da auto-destruição; o amigo de longa data que marca presença somente em momentos decisivos; os artistas excêntricos.

          A cidade de Hollywood é caracterizada brilhantemente nas entrelinhas do livro, tendo seus lados mais obscuros e esquecidos mostrados com clareza e naturalidade despreocupada. O autor demonstra discretamente a sua sensibilidade ao olhar para todos os talentos perdidos e para todas as pessoas que vivem em crescente decadências, esquecidas por todos.

         Com linguagem simples - sem rebuscamento, tudo muito coloquial - e diálogos brilhantemente construídos - e definitivamente marcantes -, o romance de Bukowski prova que ele não vendeu-se (apesar dele mesmo ter medo disso, e o livro parecer um reflexão sobre) para o estrelato de Hollywood, e que sua obra sempre será o retrato genuíno do seu pensamento reflexivo. É uma leitura prazerosa e que flui rapidamente, fazendo desde os leitores mais exigentes, até os bêbados mais fiéis do bom e velho tio Bukowski se divertirem.

 Aqui vão algumas passagens que eu destaquei no livro: 
   
"[...] não se pode viver sempre escrevendo, e havia muito espaço a preencher. Eu o preenchia com uísque, cerveja e mulheres. Eu acabei me enchendo das mulheres e me concentrei no uísque e na cerveja." - Sobre o alcoolismo de Chinaski, e sua facilidade de se sentir repulsivo.  

"Eu geralmente passava às damas o dinheiro do táxi, mandava-as dar o fora e continuava bebendo sozinho. Duvido que usassem o dinheiro do táxi em táxis." - Sobre as putas da Califórnia. 

Todo o discurso de Jean-Paul sobre todos serem imundos... "TODOS NÓS TEMOS CU, CERTO?"... Página 30.

"Faltava totalmente alguma coisa nos pobres sujeitos, e alguma coisa em mim doeu, apenas por um instante, e senti vontade de abraçá-los, consolá-los e beijá-los com um Dostoiévski, mas sabia que isso no fim não levaria a nada, a não ser ao ridículo e à humilhação, para mim mesmo e para eles." - Sobre seus leitores pobres, bêbados e fracassados. 

Páginas 54 e 55 fazem a junção da poesia com a prosa.

"Uma de minhas mulheres passadas berrara para mim:
- Você bebe para sair da realidade!
- É claro, minha cara - lhe respondera.
Usava a garrafa e a máquina. Gostava de ter um pássaro em cada mão, ao diabo com o mato."

"Talvez tivesse conhecido escritores demais. Eles levavam mais tempo falando mal uns dos outros do que fazendo seu trabalho. Eram nervosos, fofoqueiros, velhas solteironas; viviam se lamentando, dando facadas, inchados de vaidade. Eram esses os nossos criadores? Sempre fora assim? Provavelmente sim. Talvez escrever fosse uma forma de lamento. Alguns simplesmente se lamentavam melhor do que os outros." - Sobre escritores e a arte de escrever.
"[...] não tinha medo das feministas. Era um dos últimos defensores da masculinidade e dos colhões no país. Para isso era preciso ter raça" - Sobre atitudes e liberdade de expressão.

           "[...] mas, como a maioria das almas grandes, gostava de um traguinho de vez em quando." - Sobre o alcoolismo em relação aos artistas e intelectuais.

Brilhante diálogo da página 170 - uma entrevista de Chinaski, onde este é impagável.

"A melhor parte de um escritor está no papel. A outra é geralmente bobagem."

"O pai do dono da casa era hippie. Os dois liam o L.A Free Press. Eu escrevia uma coluna, 'Notas de um Homem de Neanderthal'."  - Referência ao livro do Bukowski e coluna que deu origem ao mesmo, "Notas de um velho safado".

 Paro por aqui, pelo fato das minha próximas marcações entregarem muitos detalhes do desenvolvimento. Mas acho que já é suficiente para teres vontade de ler e grifar todo o livro, não é?  ;) 
  

  A edição brasileira foi feita pela editora LPM (que ficou responsável por quase todos os trabalhos do Velho Safado por aqui). A tradução é razoavelmente boa (aceitável). O livro foi publicado em formato de bolso, tem capa fosca e papel off set branco.